Disciplina positiva

O que está por trás do comportamento? 

Percepções - parte 1


Uma criança termina um trabalho de escola e, entusiasmada, mostra para seu pai. Ele olha o trabalho com aprovação e, tentando ajudar, faz uma sugestão para o trabalho ficar melhor ainda. Mais tarde, esta criança é vista isolada e triste e confessa para um amigo: "nada do que eu faço é bom o suficiente".

O que aconteceu? Este pai, muitos vão dizer, estava com a melhor das intenções. Provavelmente, sim. Ele aprovou um trabalho de seu filho e, na sua concepção, procurou incentivar sua criatividade, sugerindo, mostrando interesse, mostrando que tomou conhecimento do trabalho. Mas o resultado foi inesperado. Por quê? 

Talvez porque a concepção que cada um teve da situação tenha sido totalmente diferente! A percepção é a chave para entendermos o comportamento infantil. É a chave para irmos além do óbvio, além do que se observa. Vamos abordar com mais detalhes este assunto, tão importante para compreender uma criança, neste e nos próximos posts. Boa leitura!


O que são percepções?

O psicólogo austríaco Alfred Adler escreveu: "as idéias não têm qualquer significado a não ser aquele que damos damos a elas". Embora tenhamos a tendência a assumir que todas as pessoas vêm o mundo da mesma maneira que nós, afinal o mundo é o que, independente de quem sejamos, não é bem isso o que acontece em termos psicológicos. Se existem 7 bilhões de pessoas, existem 7 bilhões de mundo. Esta não é uma ideia nova, mas o poder de seu alcance em nosso dia-a-dia geralmente nos escapa.

Cada um de nós passa por experiências diferentes durante a vida. Cada um tem sua história. No entanto, não são necessariamente as experiências em si que criam o mundo de cada um.  O mais importante é a percepção que cada um tem destas experiências. Duas pessoas, com a mesma idade, do mesmo estrato social, podem passar pela mesma experiência e darem significados totalmente diferentes a ela. As percepções que têm são diferentes e é isso que determina o significado que cada um dá à experiência.

Primeiro, vamos escolher uma definição para percepções, dentre as tantas possíveis:

"percepções individuais são as conclusões a que chegamos sobre nós mesmos e nossas vidas, resultantes de como pensamos, como processamos as experiências pelas quais passamos"

Com base em suas percepções, as crianças tomam decisões continuamente sobre si mesmas (se são capazes ou não, se são boas ou más crianças) e a partir daí decidem o que acham que precisam fazer para sobreviver (algumas vezes através do que chamamos de mau comportamento) ou serem bem sucedidas (desenvolvendo habilidades para terem sucesso em suas vidas).

Aspectos das percepções

Para que pais e educadores possam propiciar experiências que possibilitem às crianças desenvolverem percepções e habilidades importantes para suas vidas, é preciso que entendam alguns aspectos das percepções. Elas:

  1. são fundamentais para as atitudes, motivações e comportamentos de uma criança;
  2. são produtos de quatro elementos: experiência, identificação, análise e generalização;
  3. são cumulativas;
  4. são únicas, e
  5. precisam de reforço e desafio para mudarem.
Neste post, vamos abordar o primeiro aspecto: percepções são fundamentais para atitudes, motivações e comportamentos de uma criança. Entender que nossas percepções estão por trás de nossas atitudes, motivação e comportamentos é essencial para compreendermos o mundo de uma criança. Ao invés de nos atermos ao comportamento em si, seria mais produtivo procurarmos identificar as percepções desta criança por trás do comportamento.

Em geral, todos os pais querem que um ou outro comportamento de seu filho mude. Ou por estar irritando, ou por estar causando desconforto para os amiguinhos, isolamento social, ou por estar indo contra sua moral enraizada, etc. Os motivos são vários. Em geral, eles querem que seus filhos de desenvolvam de forma sadia e auto realizadora. No entanto, apesar de todas suas intenções e esforços, muitos falham neste intento. Por quê?

Pais que procuram mudar o comportamento de uma criança sem mudar as percepções desta criança conseguem, às vezes, que a criança passe apenas a mostrar para eles o comportamento desejado. No entanto, isso não significa que suas percepções subjacentes tenham mudado. Isso pode levar a situações do tipo: a criança pode "perceber" que com este novo comportamento ela vai agradar aos seus pais e educadores, ou deixar de ser punida. Mas quantos pais não se surpreendem com um relatório escolar descrevendo o mesmo comportamento inadequado que se julgava ter sido superado?

Uma criança pode "se comportar mal" por ter a percepção, às vezes equivocada, de que ela não seja significativa para seus pais e amigos. O comportamento é uma forma escolhida, em geral inconscientemente, para que psicologicamente possa "sobreviver" ao ambiente em que se encontra. Punir por este comportamento apenas reforça tal percepção, podendo entrar em um círculo vicioso de percepção-comportamento. Por outro lado,  se os pais passam mais tempo com a criança, um tempo diferenciado, especial, produtivo, a percepção desta criança sobre sua significância como pessoa pode mudar.

Necessidades psicológicas básicas

O quadro abaixo lista algumas necessidades psicológicas básicas que toda pessoa tem, incluindo as crianças, obviamente. Quando temos este quadro em mente, podemos avaliar melhor um comportamento.

NECESSIDADES PSICOLÓGICAS BÁSICAS DE UMA PESSOA
  • sentir-se capaz, potente;
  • ter um sentimento de poder controlar o ambiente em que se encontra;
  • ter reconhecimento externo de suas percepções (não ser ignorado), e
  • afirmação de que é uma pessoa significativa (que é importante, que pode ajudar, fazer a diferença).

Quando estas necessidades são bloqueadas as pessoas experimentam frustração. Elas vão reagir de maneira diferente a esta frustração: algumas vão combatê-la através da rebeldia e resistência, outras vão cair em depressão, se isolar, tornarem-se passivas, com sentimento de impotência. Com a criança não é diferente!

Precisamos trabalhar com "a crença por trás do comportamento". Se não mudarmos as percepções de uma criança, conseguiremos apenas mudanças temporárias. A mudança efetiva parte de dentro (locus interno). A mudança que vem de fora não é mudança. Toda vez que virmos um comportamento, uma atitude, uma motivação que nos preocupe, devemos passar um tempo tentando compreender cada um deles e identificar quais as necessidades básicas estão sendo frustradas. A partir disso, se não for possível mudar as situações, podemos trabalhar com a criança a mudança de percepção de si mesma e das situações em questão.

É um trabalho que demanda tempo e, principalmente, mudanças de nossas próprias percepções. Mas é um preço justo, não apenas pela melhoria da condição psicológica de nossos filhos, mas também para o nosso próprio crescimento pessoal. Nos próximos posts, vamos trabalhar em mais detalhes este tema.

Percepções - parte 2 - produtos de quatro elementos


Um bom ouvinte numa tenta forçar o processo de comunicação, mas se concentra em prestar atenção ao que realmente está acontecendo. As pessoas comunicam muito através do silêncio, das atitudes, das escolhas de onde se colocar, até mesmo das posturas corporais. As crianças tendem a se calar quando se sentem ameaçadas em fazer algo que elas não querem fazer. (Glenn)

Inúmeros pesquisadores já mostraram a importância fundamental da experiência na aprendizagem. Através dela, nosso cérebro estabelece novas conexões, fortalece outras, faz relacionamentos de causa e efeito, etc. Aprender pela experiência é especialmente importante para a criança nos seus primeiros anos de vida. É a fase que Piaget chamou de concreta: a base sobre a qual a criança pode criar futuras abstrações.

Mas como já dissemos na postagem anterior sobre percepções, o mais significativo não é a experiência em si, mas a percepção que cada um tem dela. Podemos contribuir significativamente para que nosso filhos tomem consciência cada vez mais de suas percepções e aprendam através das interpretações que dão a elas. Isso passa pela comunicação! 


Segundo aspecto das percepções: são produtos de quatro elementos

Na primeira postagem sobre percepções, trabalhamos o primeiro de cinco aspectos (elas são fundamentais para as atitudes, motivações e comportamentos de uma criança). Nesta postagem, trabalharemos o segundo aspecto: as percepções são produtos de quatro elementos. 

Todo aprendizado passa pelo filtro de nossas percepções. Para que este aprendizado seja efetivo, para que possa ter um efeito duradouro, ele passa por quatro elementos, ou estágios:

  1. a experiência em si, que pode vir de várias formas;
  2. o que identificamos como significativo na experiência;
  3. nossa análise, baseada na estrutura cognitiva específica de cada indivíduo, de por que é significativo, e
  4. nossa generalização, resultado de nossas percepções pessoais sobre qual o valor futuro que a experiência tem para nós.
Dito de outra maneira, estas etapas respondem às perguntas: o que, por que, como? Na prática, é estar atento ao que acontece aos nossos filhos. É desenvolver o discernimento de quais experiências podem ter um significado especial para eles e explorar junto com eles as interpretações que dão a estas experiências.

Fazendo um paralelo com cada uma destas etapas, podemos propor um pequeno guia prático:
  1. ficar atento às experiências, positivas e negativas, da criança;
  2. ajudar  a criança a identificar os principais pontos da experiência: "o que aconteceu; o que você viu; o que você está sentindo; para você, o que aconteceu de mais importante?";
  3. ajudar a criança a analisar a experiência: por que você acha que isso aconteceu; por que foi importante para você?". Algumas crianças podem se sentir intimidadas com perguntas que começam com "por que?". Podem responder na defensiva, "eu não sei!". Uma abordagem alternativa seria: "o que fez aquilo ser importante para você; o que você estava tentanto fazer; o que você achou que ia acontecer; o que deixou você triste, com raiva, alegre?", e
  4. ajudar a criança a identificar um princípio que pode ser aplicado a outras situações: "se você quiser que na próxima vez seja diferente, o que você faria; se você quiser que a mesma situação aconteça, o que deveria fazer igual?".
Um ponto importante a ser dito aqui, e que será trabalhado com mais detalhes em futuras postagens, é a absoluta necessidade de respeitarmos e validarmos as percepções da criança. Não é produtivo esperar que ela tenha as mesmas percepções e interpretações que um adulto teria. Que nós teríamos. Uma das maiores barreiras no relacionamento com qualquer pessoa é presumir: "é claro que ela...; eu acho que...; espero que..." Não cair nesta armadilha é crucial neste processo de trabalhar as percepções de uma criança. E para evitar o mau uso do processo que acabamos de expor.

Mau uso e mudança de paradigmas

A intenção deste processo é ajudar a criança a ficar atenta às suas próprias percepções e a dar suas interpretações para as experiências que vivencia. É ajudar no desenvolvimento da individualidade. Não é impor nossas próprias interpretações e vontades: isso é manipulação!

Muitos de nós foram criados para aceitar e repetir os valores dos adultos próximos a nós. Poucos tiveram suas impressões e interpretações respeitadas. Por isso é difícil para muitos, incluindo a mim, aceitar de fato que uma criança tenha percepções muito particulares sobre suas experiências, sem que tenha estas impressões julgadas ou ridicularizadas. Em geral, de forma inconsciente, por adultos que replicam o condicionamento de toda uma vida.


Para estas pessoas, é uma mudança de paradigmas muito forte. Mas pessoalmente estou decidido a buscar esta mudança. Vale a pena! É um processo de aprendizado para todos: pais e filhos.

Na próxima postagem vamos trabalhar os outros aspectos das percepções: são cumulativas, são únicas e precisam de reforço e desafio para mudarem. Até lá!

fonte: textos da Dra Jane Nelsen e do Dr Stephen Glenn.

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